Nunca fui muito musical, mas se tem uma receita capaz de
sempre trazer uma canção à minha cabeça é a sopa de mandioca com camarão. Ela é
uma mistura de roça com mar, de caipira com nordestino, de brisa com calor.
Acendo o fogão à lenha na tarde fria de julho, esquento a chapa e a casa,
cantarolo Sá e Guarabyra em “Sobradinho”
e sigo pra pia descascar o quilo de mandioca colhido do lado de lá, nas terras
do vizinho.
Acho tão romântica a ideia do mar se misturar com o sertão,
imagino as águas salgadas trazendo tudo o que o mar tem de bonito e gostoso se
misturando com a beleza e sabores das montanhas. Coloco uma frigideira de ferro fundido e uma
panela com dois litros de água no fogo, puxo uma tora de madeira, alimento a
brasa e corto os dois pequenos maracujás colhidos na quitanda do vilarejo.
Separo suas sementes sentindo seu efeito calmante capaz de se desprender desde
seu aroma. Jogo na água da panela e vibro junto com as cores deste aconchegante
cenário.
Puxo da adega um vinho tinto e seco, português. Sirvo a taça
do marido e dos amigos. Bebo água, preciso de sobriedade para me inebriar nos
encantos deste enredo. Sugiro uma moda de viola para o som ambiente e ganhei
foi Elis Regina como companhia para cozinhar. Descasco duas cebolas das
grandes, corto em quatro pedaços e mando para panela junto de mais três folhas
de louro, um galho pequeno de alecrim e uma colher de chá de sal.
Na chapa quente ao lado, uma longa e larga alheira é ali
deitada e por uns 20 minutos ficará pululando até firmar e ser cortada em
rodelas para melhor servir os amigos convidados. Fui muito feliz no dia em que
descobri que porco e peixe fazem um par perfeito em uma refeição.
Do mar veio o camarão, miúdo, mas em uma boa turma pesando
800 gramas na balança do mercado. Enquanto tocava “Atrás da Porta” a mandioca
era quem derretia na panela. Eu seguia com meu repertório interno assoviando
“...vai ter barragem no salto do Sobradinho e o povo vai-se embora com medo de
se afogar... laiá”.
Gentilmente socorri a mandioca e assim que seu fervor baixou
mandei para o liquidificador para virar um belo creme com todos seus
componentes, fora a folha de louro. Abri
o pacote de camarões congelados e mandei para a panela. Ali soltaram seus
caldos e mudaram de cor. Vermelhinhos foram logo banhados pelo creme de
mandioca aromatizado pelo frescor do maracujá. Pimenta-do-reino, uma colher de
café, para temperar, e uma colher de chá de pimenta calabresa para apimentar e
esquentar de vez o clima daquele inverno cinza e preguiçoso.
Os sabores deste prato me fascinam. A cremosidade da
mandioca é cortada pela força do camarão que se rende ao azedinho do maracujá
responsável por quebrar o calor da pimenta. Ah, que maravilha. Elis entoou
“Romaria” e minha clientela amiga seguiu em procissão para mesa. Fui ao fogão e
voltei de panelas nas mãos, dançando e cantarolando o meu refrão gastronômico:
“...e o sertão vai virar mar dá no coração o medo que algum dia o mar também
vire sertão”.
*Fernanda Canto é jornalista, cozinheira e empreendedora. E
das boas! É criadora da Danada da Nanda, empresa de marmitinhas gourmets sem
adição de gordura.
2 comentários :
Que texto lindo! É bruxaria pura! Toda a delicadeza e energia da criatividade e da alma feminina! Nanda, eu quero essa poção! Vou pedir uma já! :) Saudade sempre!
ahhhhh...que delícia!
ummmmm...que lindo!!!
ops! o contrário???
tudo junto???
junta tudo...e dá sabor...da vida
...dá vida...
bjos Nanda querida
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